quinta-feira, 24 de julho de 2014

Dicas

1. Como começar: recepção do público com música ambiente para asserenar e entrar no clima das histórias Não é aconselhável iniciar a contação da história sem um preparo prévio ou de forma inesperada. Isso pode acarretar um estranhamento por parte das crianças, sobretudo se não estão acostumadas à escuta de histórias. É importante que os pequenos entrem no clima de magia e fantasia que as narrativas evocam. Alguns contadores propõem que as crianças pronunciem uma palavra mágica juntas, como “RIBOMBANCHO”. Outros cantam músicas, como “Era uma vez... assim vai começar a linda história que agora vou contar. Bate palmas, minha gente, bate palmas outra vez, bate palmas bem contente, vou contar... era uma vez!”. Cada contador pode inventar uma melodia para essa canção. Além disso, aconselha-se receber todos em um ambiente calmo e sereno, onde paz e alegria que a contação de histórias transmitirá comece na recepção para o momento tão esperado e sonhado. As músicas ajudam na manutenção da atmosfera lúdica e criativa. 2. Usar um figurino ou um objeto que chame atenção da garotada O contador de história precisa encantar as crianças, contagiá-las com uma atmosfera mágica e um figurino ou um simples objeto, como um chapéu, um arco ou diadema, um avental, um par de luvas podem ajudar a instaurar um clima de fantasia. Contudo, nada de exageros, pois a estrela deve ser a história, e não o contador. 3. O antes, o durante e o depois da história Um bom contador de histórias sabe coordenar bem o antes, o durante e o depois da história. Inicialmente, pode fazer perguntas que estimulem a escuta da história. Por exemplo, se a narrativa é sobre um cachorro, pode-se perguntar às crianças se elas têm um animal de estimação. Se é sobre uma flor, pode-se perguntar quem tem plantas em casa, se elas já viram um jardim. Durante a história, mantenha o contato visual com as crianças, mediante o “olho no olho” e desconsidere gentilmente, com um sorriso, comentários excessivos para não interromper a história. Após a história, resgatar possíveis comentários feitos durante a contação e recolher as impressões da criançada sobre o conto narrado. Atenção, não explique a história! Cada criança tem uma experiência particular de entendimento da história e não cabe a você impor a sua leitura como a única possível. 4. Haja com naturalidade Não tente imitar ninguém na hora de contar uma história. Dizem até que não se ensina contação de histórias, pois cada narrador tem sua maneira peculiar de contar uma história. Além disso, só conte histórias que encantem você, a fim de que possa transmitir bem a verdade da história para a criança. Fique à vontade com as pessoas que estão vivendo esse momento mágico com você, pense na mensagem positiva que histórias trazem para todos, reflita acerca do prazer que você está aliando à leitura com a prática de contação de histórias, na vida da criança. Cultive gente, pois todo conto é um encontro! 5. Conhecer a história Procure ler várias vezes a história, procure estudar a história e, por fim, procure memorizar apenas o roteiro da história, pois não é necessário decorá-la na íntegra. Sabemos que o contador é sempre um coautor das histórias que conta. Além disso, todo contador de histórias deve ter o seu próprio repertório, o conjunto de histórias que o encanta e que ele pode contar em qualquer hora, em qualquer lugar. Por isso, o contador de histórias precisa ser um ótimo leitor e um bom pesquisador, precisa ter espírito de estudante. 6. Prepare sua apresentação É importante a preparação para a apresentação das histórias, com alguns ensaios. Não exercite apenas o roteiro, recheie as histórias com expressão corporal e facial que enriqueçam a atividade. Se quiser, use objetos para a contação, mas evite objetos redundantes. Por exemplo, uma echarpe pode virar um vestido ou uma gravata, um leque pode virar a saia de uma personagem ou uma borboleta. Você pode, igualmente, caracterizar-se como uma das personagens, um rei ou uma princesa, além de utilizar um painel como cenário. Essa preparação proporcionará segurança ao contador e muita alegria na plateia para ouvir as histórias de coração aberto. 7. Voz suave e alta (“mastigada”); Pronuncie bem as palavras, em um tom alto, mas não gritando. Cuidado para não diminuir o tom de voz após os momentos iniciais da história. Alguns contadores se utilizam de microfones portáteis, existe essa possibilidade, sobretudo em espaços mais amplos. 8. Evite utilizar excessivamente a linguagem no diminutivo, "apequenando" o ouvinte (Exemplo: Criancinhas, eu vou contar uma historinha deste livrinho, mas antes vamos cantar uma musiquinha) Não há necessidade de infantilizar a linguagem para fazer um trabalho com as crianças. Escolha a história de acordo com a faixa etária do público e invista na própria ludicidade que a contação de histórias envolve. Não simplifique excessivamente a linguagem, permita que as crianças conheçam novas palavras, ampliem seu vocabulário. 9. Não se valer de posturas autoritárias Não faça ameaças para obter a atenção da garotada, como ‘se não ficarem quietos, não continuo a história’. Se alguma criança estiver dispersa, aproxime-se, sempre com o olho no olho, o contato visual. Faça um carinho, faça como se, naquele momento, estivesse contando a história só para ela, sorria. Elas normalmente prestam mais atenção. 10. Selecionar as histórias levando em conta coerência cidadã Procure selecionar seu repertório com base em histórias que apresentem valores como respeito, tolerância, solidariedade, bondade, gentileza, amizade e outros. Priorize as que primem pela ética e senso de cidadania. O contador de histórias é, antes de tudo, um educador e essa atividade não consiste apenas em um entretenimento, mas em um treino para a vivência cidadã. 11. Evite explicar a história. Deixe o seu público formar seu próprio repertório moral Evite explicar a história ou a moral da história. Não imponha a sua leitura da narrativa às crianças. Cada ouvinte apresenta uma experiência particular de entendimento da história e todas as leituras enriquecem o momento da contação. Estimule a troca de impressões sobre o conto, entre as próprias crianças. 12- Contar histórias sentado ou em pé Normalmente, com um número menor de crianças, é possível criar uma atmosfera mais aconchegante, contando a história sentado, com as crianças em círculo. No caso de um maior número de crianças, torna-se mais proveitoso contar a história em pé, com liberdade de movimentos. 13- Se der branco, continue. Não faça caretas, use a criatividade e improvise Haja com naturalidade, se der branco. Use a criatividade no improviso, nunca faça careta demonstrando para todos que deu branco, saiba que naquele momento só você sabe a história que está sendo contada. 14- O tempo da história Uma história bem contada, rica de detalhes e com envolvimento do público deve que ter, no máximo, 15 minutos. Mais longa que isso poderá se perder a concentração do público, principalmente, o público infantil. Você poderá encurtar a história se perceber que as crianças não estão aproveitando bem a contação, por algum motivo que merece investigação de sua parte ou alongar a história, se perceber que as crianças estão curtindo bastante a narrativa. 15- Se a história for lida, a narrativa deve ser tão animada como se fosse contada Se optar em ler as histórias, usando o livro, leia com emoção e encantamento para que todos se envolvam na magia das histórias. Procure ler exatamente o que está escrito, pois as crianças costumam acompanhar a narrativa, lendo junto algumas palavras. Explore bem as imagens e dose os comentários sobre a história, de sua parte ou da parte das crianças, para que não se perca o fio da história. 16- Atenção ao analisar as histórias para diferenciar o público mais adequado para ouvi-las (público adulto, juvenil ou público infantil); Analise bem as histórias para não contar uma história muito infantil para um público adulto, pois nem todos gostam de narrativas direcionadas às crianças, embora todas sejam muito instrutivas e ricas, inclusive para adultos. Ou contar uma história adulta para um público infantil, já que elas não criarão uma atmosfera de identificação por parte dos pequenos. Cuidado, igualmente, para não contar histórias infantis para jovens, pois eles não querem, de modo algum, ser confundidos com os pequenos. Há histórias específicas para os jovens, que tratam de sua realidade, seus gostos e interesses. Essa questão é muito séria, porque pode comprometer seu trabalho como contador de histórias. 17- Estimule a participação do público durante a contação de histórias A participação do público, conhecida como interferência, é muito boa para você garantir o envolvimento de todos e, principalmente, a alegria com a contação de histórias. Você pode combinar, por exemplo, que toda vez que fizer um determinado gesto, eles falarão uma frase específica. Ou fazer uma pergunta durante a história. Pode cantar uma música que todos conheçam durante a história, pedir que batam palmas... 18- Você pode usar uma mala colorida, uma sacola colorida ou um carrinho colorido, para transportar seus objetos de contação de histórias O público fica encantado para saber o que o contador vai tirar de sua mala ou de sua bolsa colorida de contação de histórias. Esses objetos coloridos de transporte são importantes para criarmos todo um clima de interação e felicidade. Use sua criatividade e procure surpreender as crianças, fugindo ao previsível e investindo no novo. 19- Usar recursos visuais (objetos como livros, brinquedos, lençóis, fantoches, marionetes, dedoches e outros recursos); A contação de histórias se torna mágica associada a objetos que representam os personagens e os cenários em que as histórias se passam. Os objetos ajudam na captação da atenção das crianças, sobretudo as menores. Eles já carreiam em si a magia e a inventividade que as histórias evoca, são um recurso pedagógico. Não se preocupe com materiais de alto custo, a simplicidade carreia muita beleza em si. Sucata, papéis coloridos, barbante, cartolinas, isopor... tudo pode ser matéria-prima para uma boa história. 20- Usar adivinhas, trava-línguas, parlendas É legal quando é possível a utilização de adivinhas, trava-línguas, parlendas no antes, durante ou após as histórias, pois a contação se torna um momento muito prazeroso de humor e de alegria. As crianças se sentem desafiadas e estimuladas com os jogos verbais. 21- Cybercontador de histórias Atualmente, alguns contadores estão utilizando tecnologias como projeção do livro no Power Point. Isso pode ser feito sobretudo com livros imagéticos, que não contêm palavras, pois a história vai se construindo com as crianças durante a apresentação dos slides. 22- Diferenciar o tom da voz para cada personagem (grave e agudo) e para cada momento da história (tensão, alegria, medo e outros); Cada personagem pode ter sua tonalidade de voz, para que as crianças consigam diferenciar quando um personagem se expressa e quando o outro se expressa. Assim, o contador tem que treinar muito antes da contação de histórias, pois ele pode confundir as vozes, quando há muitos personagens. 23- Formar seu próprio repertório Muitas histórias estão nos livros à nossa espera, são histórias autorais, para lermos, estudarmos e, acima tudo, contá-las para todos que buscam entrar nesse mundo do saber. Outras estão apenas nos domínios da oralidade, passando de geração a geração. O contador deve formar o seu próprio repertório, se possível com histórias diversificadas, que envolvam até outras culturas. 24- Atividades após a história Teóricos afirmam que a contação de histórias é o ponto de partida para o desenhar, o pintar, o musicar, o teatralizar... Procure sempre realizar atividades relacionadas à história, podendo fazer quebra-cabeças, figuras para colorirem, origamis, fantoches e outros. 25- Reconto Outra atividade interessante para ser feita após a história é o reconto, quando as crianças se transformam em contadoras de histórias. Pode ser feita individualmente ou coletivamente e a ideia é que as crianças contem a história novamente. 26- Levar livros Se possível, leve o livro de onde extraiu a história para mostrar às crianças, comentando algo a respeito do autor e do ilustrador, humanizando os autores e valorizando a leitura. Ainda é possível levar outros livros para ensiná-los inclusive a manuseá-los. A contação associa livro e diversão, prazer, ludicidade. 27- Cuidado com o espaço Procure contar a história em um ambiente favorável, se possível sem cartazes ou objetos que não tenham relação com a história. Verifique a limpeza do local e as condições dos equipamentos, como rádio ou computador. 28- Estude sobre contação de histórias Busque sempre a sua capacitação com a leitura de livros e realização de cursos sobre contação de histórias, pois o estudo sempre aprimora nosso trabalho. 29- Faça do ato de contar histórias um momento prazeroso Saiba que o momento de contação de histórias é um momento de felicidade de todos, principalmente, para o contador ou contadora que estão fazendo algo bom e engrandecedor para o próximo.

Lendas

30- Lenda indígena Querido diário, Hoje contei uma lenda indígena para uma turma do 3º ano. No meio da história, dois alunos entraram na sala brigando e simplesmente “roubaram a cena”. As crianças apontavam os dois para a professora, que não tomou nenhuma atitude, por estar envolvida com seu diário de classe. Eu não tive como prosseguir a história... Separei os dois e apenas perguntei: “Sabiam que vocês estão perdendo a história do índio carinha-pálida?” Eles pararam de brigar e voltaram para seus lugares. Esse episódio provocou-me reflexões. Por que não me assegurei de que todos os alunos da turma estavam presentes antes da dar início à história? Deveria ter pedido a ajuda da professora quando me dei conta da briga? Poderia ter incluído algum episódio de brigas ou guerras na história do indiozinho e tocado na questão indiretamente? A professora sempre ameaça a turma, afirmando que, se não se comportarem, não ouvirão mais as histórias. Ameaças me incomodam muito, muito. Certa vez, em uma oficina, uma senhora me endereçou uma pergunta sobre disciplina. Eu afirmei que normalmente eu não enfrentava esse tipo de problema, pois as crianças ficam vidradas na história e prestam bastante atenção. Contudo, sugeri que ela olhasse nos olhos das crianças e se aproximasse mais das que estivessem dispersas, fizesse um carinho em uma, baixasse o volume de voz para atrair a sua atenção. Ou que combinasse as regras com a turma antes da contação de histórias, de preferência de uma forma lúdica, com cartazes ou música, por exemplo. Mas, além disso, acho que ter mais alguém, ajudando o contador na disciplina da turma, é fundamental. Há, igualmente, a opção de levar histórias que versem sobre a importância do ouvir, do escutar, do ter um bom comportamento, do ser pacífico... Nada deve ser feito, porém, com rispidez ou com um tom autoritário para não quebrar a magia do momento. Enfim, são caminhos, não são receitas. O importante é reconhecer que os contadores de histórias são muito mais educadores do que recreadores!

Reconto

29- Reconto Querido diário, Estou às voltas com o conceito de “reconto”. Estudiosos sugerem que as crianças, em algumas oportunidades, recontem a história ao final da contação. Isso, basicamente, por dois motivos. Primeiro, quase nunca temos o hábito de atuar como espectadores das crianças em suas manifestações de narração de histórias. Segundo, podemos avaliar o desempenho linguístico das crianças, no que se refere à fluência, nível de vocabulário, formação de frases simples e complexas, conhecimento da estrutura da narrativa. Eles afirmam, inclusive, que se podem gravar as contações das crianças e comparar seu desempenho ao longo do ano. Já tive a oportunidade de coordenar uma atividade de reconto. Tratava-se de uma oficina de contação de histórias para crianças. Eu apresentei duas versões da fábula da cigarra e da formiga. Uma em que a formiga ajuda a cigarra e outra em que ela não ajuda. Elas votaram em qual havia gostado mais. A formiga solidária venceu. Então, pedi que elas recontassem a história. Elas sentiram dificuldades, ficaram travadas, embora houvesse figuras em cartazes para que elas se baseassem. Comecei a ajudar, fazendo perguntas. Como começa a história? Quais são as personagens? O que aconteceu? Como terminou? Além disso, dei algumas pistas. Aí, deu certo. Já aconteceu algo nesse sentido numa turma de jardim. As crianças me pediram para recontar a história. Eu propus que eles me ajudassem. Eu ia contando e eles iam completando partes da história. Na verdade, penso que sempre recontamos histórias, pois uma contação nunca é igual à outra, não é? Todo conto é um reconto!

Colegas

28- Colegas Querido diário, Ontem, prestigiei uma ciranda de histórias na biblioteca do meu bairro e fiquei encantada com a apresentação de um contador. Ele narrou algumas histórias, mas também cantou cantigas de roda e fez brincadeiras com as crianças. Elas vibravam! O contador planejou uma apresentação recheada de interação com a plateia. Ele intercalou música, história e brincadeiras. Levou uma sacola cheia de livros e apresentou cada um com ar de mistério, de encantamento. Usou palavras mágicas para dar início às histórias. O interessante é que ele usava livros para mostrar as imagens, mas não lia as tramas. Ele as tinha memorizado e só se valia do visual dos livros. Em alguns momentos, pediu silêncio e atenção, mas sem aquele tom autoritário ou sisudo (as crianças ficavam excitadíssimas com as brincadeiras). Troquei meia palavrinha com ele no final, anotei os títulos dos livros que ele usou e saí da biblioteca disposta a imitá-lo. Afinal, o cara era o máximo! Felizmente, esse desejo durou pouco. Logo compreendi que cada contador de histórias tem o seu próprio estilo e que isso é inimitável. Podemos admirar nossos colegas e nos inspirar em alguns para incrementar a nossa performance. Mas precisamos ser autênticos sempre, sempre. Aliás, nisso reside a riqueza da contação de histórias. Já imaginou vários contadores apresentando uma mesma narrativa? Eu já tive a oportunidade de ouvir a contação de uma mesma história por contadores diferentes. Um se atinha mais à oralidade, enquanto o outro usava objetos lúdicos. Cada qual me encantou de forma diferente e as plateias de ambos curtiram bastante a história. Alguns contadores dão um toque de comédia às histórias, outros dão um ar de sofisticação ou de simplicidade, há os que dão um ar de leveza ou de mistério e assim vai. Como se diz por aí, cada um é cada um... E o sol das histórias nasce para todos!

Superproteção

27- Superproteção Querido diário, Você sabia que, como contadores de histórias, nós podemos ser superprotetores? Isso acontece quando apenas selecionamos histórias pautadas em “happy ends” para compor o nosso repertório. Pode haver uma tendência, consciente ou inconsciente, de apresentarmos às crianças um mundo colorido, isento de conflitos e frustrações. Quando isso acontece, nós queimamos a ponte que se estabelece entre as histórias e a vida real, pois as próprias crianças sabem que o mundo não é colorido o tempo todo. Na verdade, em muitos casos, somos nós mesmos que não nos sentimos preparados para lidar com as dicotomias da vida e isso acaba se refletindo no nosso repertório. Isso já aconteceu comigo. Havia uma história de uma menina que queria muito ganhar um cachorrinho. Após muito tempo de expectativa, os pais resolvem lhe dar o cão e ela escolhe o animal. Mas o cachorro é roubado e, no final da história, ela ganha outro. Gente, eu não me conformei! Queria porque queria mudar o final da história. Queria que a menina achasse o seu cachorrinho roubado. Queria que a garota fosse feliz com ele. Não servia outro cão. Não pra mim. Quando percebi que, na verdade, eu tinha dificuldade de lidar com a perda, aceitei a história e com ela cresci muito, muito. Além disso, para a minha surpresa, as crianças aceitaram o fato que a história trazia, com naturalidade, ainda que envolvidas emocionalmente com o cãozinho que elas imaginaram: “Tia, roubaram o Pirata, né?”. Uma das funções da contação de histórias é acordar a criança para a vida. E, na vida, se perde e se ganha, se chora e se ri, se erra e se acerta, se cai e se levanta... Claro, isso não impede uma visão otimista de que podemos superar os desafios, fazer das quedas passes de dança, escrever uma história bem mais feliz do que triste. Afinal, “eu sei que a vida podia ser bem melhor (e será), mas isso não impede que eu repita: é bonita, é bonita e é bonita”.

Folclore

26- Folclore Querido diário, Estamos desenvolvendo um projeto sobre o folclore na escola onde trabalho. Inacreditável, mas não tenho nenhuma lembrança de ter ouvido histórias folclóricas nas escolas de minha infância. Estou contando a história “Festa no Céu”, escrita por Ângela Lago. Uso um avental com as personagens do nosso folclore e faço adivinhas sobre elas antes de dar início às histórias. Eles estão curtindo bastante a narrativa, estou usando fantoches de varas. As crianças participam muito no começo da história, pois pergunto quais seriam as guloseimas que teriam na festa. Elas respondem, empolgadas: bolo, cahorro-quente, refrigerante, brigadeiro, pipoca, maçã do amor, salgadinhos, sucos... Além disso, estou trabalhando algumas parlendas com eles: “A galinha do vizinho bota ovo amarelinho. Bota 1, bota 2, bota 3... bota 10!” “Um elefante incomoda muita gente, dois elefantes incomodam, incomodam muito mais, três elefantes incomodam, incomodam, incomodam muita gente...” “Me responda você, que parece sabichão, se lagarta vira borboleta, por que trem não vira avião?” “Batatinha quando nasce, se esparrama pelo chão, a menina quando dorme, põe a mão no coração.” “Chuva e sol, casamento de espanhol, sol e chuva, casamento de viúva!” “Galinha choca comeu minhoca, saiu pulando feito pipoca.” Aproveitei o ensejo para mencionar brincadeiras folclóricas: pipa, pião, bolinha de sabão, bolinha de gude, patinete, corda, chicotinho queimado, cabra-cega, elástico, pelada, pique-bandeira, pique-alto, pique-esconde, catavento, amarelinha... Elas reconheceram a maioria das brincadeiras e relataram como são, as que mais gostam, as que brincavam na própria escola. Acho importante trabalharmos o folclore, pois tratamos da nossa identidade cultural, das nossas raízes e incutimos valores como cidadania e pluralidade cultural nas mentes e corações das crianças. Estou feliz por poder levar esses conhecimentos aos pequenos, eu não tive isso em minha escola de infância, e está sendo especial pra mim proporcionar o que não tive. Viva o folclore nacional!

Tipos de textos

25- Tipos de textos Querido diário, Estive refletindo sobre a integração entre a contação de histórias e os diversos gêneros textuais ou tipos de texto. Acho que, além de favorecer o ensino de língua portuguesa, essa interface pode enriquecer as maneiras de se contar a história. Imagine narrar a história da galinha ruiva e usar uma receita de bolo... Imagine narrar a história dos três porquinhos e se valer de uma pesquisa envolvendo os tipos de casas construídas no mundo... Imagine narrar a história da Cinderela e pedir licença para atender a uma ligação telefônica imaginária da fada madrinha... Imagine narrar a história do Pinóquio e ler o diário da Fada Azul... Imagine narrar a história da Cigarra e da Formiga e levar jornais com anúncios de emprego... Imagine narrar a história da Pequena Sereia e distribuir cartões-postais de praias brasileiras... Enfim, transitar pelos gêneros de textos pode propiciar um maior dinamismo e entusiasmo, prendendo a atenção dos ouvintes e os levando a conhecer diferentes gêneros textuais. Já fiz isso com uma poesia. Levei uma mala enfeitada de fitas coloridas e cheia com os objetos da história. Então, declamei um poema sobre uma maleta de sonhos... Essa poesia pertencia à própria autora da história que eu ia contar. As músicas eu uso sempre... Já utilizei uma charada como senha para começar a história. Já usei uma receita de culinária durante uma contação. Já cantei uma cantiga de roda com as crianças após a história. Já li cartas de uma personagem durante a contação. Já fiz uma enquete no meio da história sobre a atitude de uma personagem. Enfim, não devemos perder a oportunidade de surpreender as crianças com situações imprevisíveis para que a contação tenha sempre o efeito da surpresa, do inédito, do original, do inusitado, do inesperado. Tenho essa preocupação porque já ouvi uma criança me dizer: “De novo isso?” Mas também há o outro lado dessa história... Algumas crianças, quando gostam de determinado recurso ou técnica, querem que você os repita sempre. Isso acontece com a musiquinha que cantamos antes da história. Eu até que tento iniciar de outra maneira, mas algumas turmas querem porque querem cantar a bendita da música! Rsrsrsrs! Palmas para meus cantores mirins!

Fama

24- Fama? Querido diário, Na semana passada, resolvi avisar a alguns professores de que haveria uma sessão de contação de histórias na biblioteca de nosso bairro. “- O contador de histórias é conhecido?” Essa indagação deu margem a muitas reflexões de minha parte. Geralmente, valorizamos mais os profissionais que estão na mídia, que participam de grandes eventos e nos esquecemos de tantos contadores anônimos que cumprem a mesma missão de levar encantamento e magia para as pessoas. Na minha opinião, todos, todos têm seu valor. Além disso, quem tem que aparecer são as histórias. Não nós. Não devemos agir como um showman, captando todas as atenções para a nossa pessoa. Nós somos apenas mensageiros, entregamos histórias para as pessoas. Eu sou conhecida. Por todas as crianças, jovens, adultos e idosos para os quais contei histórias. Eu já tive oportunidade de contar histórias em vários locais. Inclusive já me apresentei em um programa de televisão e em rádio, mas, sinceramente, não estabeleço diferenças entre os ambientes. Participei de um encontro, certa vez, em que se apresentaram contadores conhecidos, mas eles abriram inscrições na hora para que qualquer participante pudesse ir ao palco contar uma história. Eu logo me inscrevi, entusiasmada com o desafio. Achei sensacional!... Os contadores que aceitaram o convite se saíram muito bem, tanto quanto os famosos, porque todos se envolveram e todos vibravam com as apresentações uns dos outros. Aliás, como contadora de histórias, adoro ouvir histórias. Sobretudo pela história em si. Mas também pelo fato de ser um momento de aprendizado para mim, pois cada contador tem seu modo de narrar e eu sempre enriqueço minhas experiências com base nas dos meus colegas. Como, por exemplo, o troca-troca de histórias. Fico conhecendo o repertório dos meus companheiros e eles o meu. Além disso, trocamos contatos para a divulgação de eventos, oficinas, simpósios, congressos, cirandas de histórias, blogs de contação, twitter e outros. Contador, conte comigo!...

Evite

24- O que devemos evitar Querido diário, Hoje, resolvi enumerar alguns procedimentos que devo evitar na prática de contação de histórias.  Pausas em excesso: acho interessante, por vezes, parar a história a fim de dirigir perguntas à audiência ou tecer um comentário particular sobre algum episódio mais marcante da trama, mas esse procedimento em excesso pode comprometer o fio da narrativa, entende? Posso quebrar o clima da história e causar uma dispersão do público.  Explicações da história: já vi casos de contadores que, ao final da contação, explicam a história nos mínimos detalhes, por vezes subestimando a plateia. Na verdade, cada ouvinte possui uma experiência particular de entendimento da história e devemos ter cuidado para não impor nossa interpretação da trama.  Objetos redundantes ou em grande número: certamente, podemos utilizar objetos na contação, mas é importante que eles representem um desafio para a criança, para a sua imaginação. Por exemplo, um leque pode virar uma borboleta ou uma saia rodada. Mas não devemos usar objetos em excesso, pois podem desviar o foco de atenção dos ouvintes, fazendo que eles se esqueçam da narrativa em função da parafernália de materiais. Simplicidade sempre encanta.  Posturas autoritárias: devemos evitar fazer longos discursos sobre a importância do silêncio para a escuta das histórias. Precisamos confiar no convite criativo ao maravilhoso, crendo que as crianças vão se envolver realmente com a história, vão respirá-la conosco. Se houver dispersões por parte de um ou outro, usemos um sorriso, um afago, o olho no olho...  Ignorar a audiência: não devemos embarcar sozinhos no mundo das histórias e ir para bem longe da plateia. Precisamos estar presentes para incorporar à nossa performance as coisas que acontecem durante a contação. De fato, tudo deve ser revertido em favor das histórias. Não devemos querer contar a história do jeitinho programado não importa o que houver. Sejamos flexíveis e ousados.  Não gostar da história: o ideal é escolhermos uma história que nos seduza e motive para que possamos passar esse encantamento para as crianças. Por isso, devemos ler bastante, a fim de ampliarmos o nosso leque de opções.  Não ter cuidado com o espaço: precisamos escolher bem o local onde vamos contar a história, para não sermos surpreendidos com excesso de cartazes, objetos chamativos, proximidade com locais barulhentos, etc. Com certeza, há outros procedimentos que devem ser evitados, mas esses são alguns que selecionei com base em leituras e na minha própria experiência. Aperfeiçoemos o nosso trabalho, buscando sensibilização e capacitação. Afinal, contar histórias é uma arte, a arte do imaginário!

Repertório

23- A escolha do repertório Querido diário, Como contadores de histórias, vivenciamos constantemente o desafio de escolher nosso repertório. Entretanto, quais seriam os critérios que usamos para escolher as histórias que vamos contar? Escolhemos apenas em função de nosso gosto, de nosso interesse pela história? Escolhemos em função de datas comemorativas? Escolhemos em função da qualidade literária da história? Escolhemos em função de temas que interessem a turma ou em razão de faixas etárias? Escolhemos em função da diversidade de nosso repertório (contos tradicionais, fábulas, intertextos...)? Escolhemos em função da indicação de colegas ou professores? Escolhemos por escolher? Acredito que devamos refletir sobre esses critérios, pois precisamos transmitir um envolvimento com a história, um encantamento que vai perpassar toda a narrativa. Já contei uma história de que não gostei, por indicação do professor da turma. Encarei como um desafio, mas não apreciei muito a minha atuação. Como poderia? Já contei uma história que não me encantou, por conta de uma homenagem a uma escritora, numa feira literária. As crianças gostaram tanto, foi tão bom, que eu acabei me apaixonando pela história e a contei várias vezes em outras ocasiões. Já contei, em dupla, uma história minha. Apareceu uma comicidade que não existia na trama original. As crianças riram muito e se divertiram bastante. Adorei a experiência. Já contei histórias que as crianças pediram e vibrei quando elas contaram partes da história junto comigo. Já deixei de contar histórias, por não me identificar com elas. Além disso, há tipos de histórias de que não gosto, embora reconheça o seu valor. Um dia desses, li um artigo que nos adverte para nunca menosprezarmos histórias, nem as ridicularizarmos ou, pior, as erotizarmos, de algum modo. Como contadores, devemos nutrir um profundo respeito pelas histórias e por seus autores. De fato, a contação de histórias pressupõe o casamento harmonioso com os autores, que nos presenteiam com seus dons de tecer o fio das tramas. Fiar: palavra de autor! Con-fiar: palavra de contador!

Empatia

22- A empatia Querido diário, Cada vez mais, percebo que a contação de histórias favorece a empatia. Naturalmente, nós nos colocamos no lugar das personagens da trama, compreendendo seus sentimentos e motivações, como deveríamos fazer com as pessoas com quem convivemos. Isso nos possibilita entender a nossa condição humana ou a própria natureza humana, sem uma postura de julgamento, seguida de absolvições ou condenações. De algum modo, nos transformamos em vilões e mocinhos, reis e plebeus, mestres e aprendizes, jovens e velhos, príncipes e ogros, bem como em plantas, animais, estrelas, planetas... Passeamos por povos e épocas diferentes da nossa. A cada viagem, nossa bagagem só vai aumentando. Então, vamos seguindo no trenzinho das histórias, passando pelas estações da Cultura, da Língua e da Literatura, das Artes, da História, do Folclore, tanto como da Ludicidade, da Criatividade, da Fantasia... As histórias enriquecem o patrimônio da nossa alma! Elas nos possibilitam desenvolver o senso ético e estético. Nós nos redescobrimos iguais. Nem superiores. Nem inferiores. As histórias preparam o cidadão do futuro, capaz de ler gente, capaz de cultivar gente, capaz de amar as pessoas e não se armar contra as pessoas. As crianças estabelecem naturalmente correspondências entre os contos e suas experiências, já que se espelham nas personagens. Por isso, elas passam a observar mais as questões familiares, as relações interpessoais e sociais, gerando um amadurecimento natural e benéfico. A prática de ouvir histórias favorece o desenvolvimento de valores positivos para o convívio social, como a bondade, o respeito, a solidariedade, a tolerância, a honestidade... Ao compartilhar a escuta de um conto, as crianças aprendem a importância do estar junto, do saber ouvir, do participar, do observar, do trocar... Todo contador é um encantador! E todos nós podemos ser bons companheiros, na acepção etimológica de comermos do mesmo pão. Nesse caso, o pão das histórias!

Cenários

21- Os cenários das histórias Querido diário, Estive refletindo sobre os cenários das histórias... Já fiz uma apresentação usando caixas de papelão com corações vermelhos colados. Já montei um quebra-cabeça da história, com vários objetos fixados no quadro, que as crianças iam escolhendo um a um, para que eu desse curso à história. Já preparei uma floresta, com um tapete de flores e cestas para apresentar a trama da Chapeuzinho Vermelho. Já organizei um cenário de festa de aniversário, com balões e painéis, para a história de uma menina que queria ganhar um cachorrinho de presente de aniversário. Li que seria interessante montarmos o cenário justamente enquanto contamos a história. Sabe o que me vem à cabeça agora? Pensei em utilizar as próprias crianças como partes do cenário: arvorezinhas, pássaros, estrelinhas, animais e outros. Seria bem interessante! Também li que é conveniente o contador passear pelo cenário da história, antes de a audiência estar presente, para já ir sentindo a força da narrativa, para passear pela trama. Confesso que, além disso, eu costumo pintar o cenário com as palavras, para as crianças o imaginarem comigo. Então, uso uma linguagem carregada de muitas descrições poéticas... Sabe, juntamente com o cenário, acho importante escolhermos o espaço onde vamos apresentar a história. Recentemente, durante a contação, uma criança se distraiu com um cartaz que estava atrás de mim. Ela interrompeu a atividade para me inquirir sobre ele, perdendo completamente o foco. Precisamos selecionar bem o ambiente, pois as crianças não sabem quais são os elementos que estão fazendo parte da história. É preciso um ambiente neutro para que as imagens das crianças possam se projetar sem a interferência de objetos estranhos à história. Quando conto histórias muito centradas nas ações das personagens, eu mesma crio os cenários. Já introduzi um cenário de natureza na história, com envelopes coloridos, que fazia bailarem no ar: amarelo (sol), nuvem (azul), rosa (vermelho), borboletas (verde). Essa atividade com os envelopes revelou-se muito especial, pois eu apenas sugeria os elementos naturais e permitia que a imaginação das crianças completasse o cenário. Dei o envelope vermelho para que uma criança cheirasse e não tivemos dúvidas de que estávamos diante de uma rosinha encantadora! As histórias perfumam nossas vidas de magia, emoção e sensibilidade!

Imaginário

20- A importância do imaginário Querido diário, Nessa semana, pedi que as crianças imaginassem o que havia dentro de uma caixa que compunha o cenário da história. Elas se mostraram muito inventivas: boneca, bola, bicicleta, anjo, nuvem, árvore, flor, folhas, pizza, livro e outros. Acredito que a contação de histórias enriquece o potencial criativo das pessoas e sou plenamente a favor de uma pedagogia do imaginário nas escolas. Considero as crianças como coautoras das histórias, pois elas imaginam personagens, cenários, figurinos... e não são obrigadas a ver as cenas de um modo previamente determinado. Considero isso uma prática valiosa, sobretudo em meio à ditadura visual que impera, por vezes, no mundo. Muitas escolas não valorizam a criatividade, mas a repetição das ideias. Precisamos dar valor ao lúdico, à interação, à iniciativa dos alunos. Contar histórias é brincar com as palavras, com a fantasia e com a imaginação! Na atividade que propus, de se imaginar o conteúdo da caixa, não havia uma resposta certa, mas inúmeras possibilidades de resposta. Uns se mostraram sensíveis com relação à natureza, outros imaginaram alimentos, alguns imaginaram algo cultural ou brinquedos que marcavam sua infância. Li que seria relevante pedir às crianças, talvez as maiores, para inventarem um novo final para a história, após a contação. Ou pedir para imaginarem como seria a história na perspectiva de um personagem secundário. Acho que seriam bons exercícios de criatividade... Certa vez, um menino me chamou em sua carteira, logo depois que eu contei uma história para sua turma. Ele estava rascunhando uma história, que estava inventado com base no meu repertório! Infelizmente, muitos ainda acreditam que a criatividade é um dom de poucos privilegiados, que não pode ser desenvolvido ou aprimorado... A contação de histórias leva o imaginário às escolas e outros ambientes, convidando todos ao exercício da criatividade por meio da viagem literária que se promove. Ela desperta o interesse, a curiosidade, pois lida com o inesperado, o inusitado, o novo. Não se calca em um saber pronto, compartimentado. Mas bons ventos estão sempre trazendo novas histórias! Então, precisamos simplesmente in...ventar!

Criança

19- A criança interior Querido diário, Andei refletindo e percebi que há realmente uma relação entre a contação de histórias e a nossa criança interior... Quando estou contando uma história, naturalmente eu me sinto como no tempo da infância, fazendo charme, manha, gracinhas, travessuras, bobices, caretas. (Essa visão é poética, talvez tenhamos todas as nossas idades simultaneamente, sabia?) Então, quando nos permitimos sentir essa criança interior, podemos nos libertar das amarras das convenções, dos preconceitos, das pressões, das limitações. Acho que, de algum modo, eu sempre conto histórias para crianças, ainda quando a audiência seja composta por jovens, adultos ou idosos. Isso porque as tramas podem despertar a criança interior que habita em cada um de nós. Com as histórias, posso abraçar crianças interiores que, por vezes, estão aprisionadas, sufocadas, maltratadas. A criança interior abandonada pode nos tornar adultos excessivamente temerosos de cometer erros, sempre à procura da aprovação dos outros e de reconhecimento. Quando consigo acalentar essas crianças interiores, durante os fios da narrativa, ficamos todos com a mesma idade: a idade das descobertas! Descobrimos que nossas histórias se parecem, que desejamos nos espelhar em heróis, que gostamos de bailes e carruagens, que torcemos empolgados por finais felizes. Estudiosos garantem que o encontro com a criança interior cura feridas, diminui o stress, resgata a alegria de viver, pois nos permitimos brincar, ousar, cativar. Muitos aconselham para adultos atividades como circo, parque de diversões e contação de histórias, com o intuito de se promover um reencontro com nossas emoções da infância. Sabe de qual história eu me recordei agora? As roupas novas do imperador!... Todos podemos ser aquela criança sincera, corajosa e espontânea, que se mostrou autêntica no momento em que o imperador desfilava nu. Precisamos despir a capa dos superficialismos, a fim de sermos intensos em nossas emoções e sentimentos!

Transformação

18- Quando o contador se transforma Querido diário, Hoje, eu estava me lembrando de uma vez em que meu esposo colocou um chapeuzinho verde para contar uma história para as crianças com quem convivemos semanalmente. Nesse dia, ao final da história, um menino aproximou-se muito desconfiado: ─ Eu acho que eu conheço você... Você não é nosso tio?... Que fofo! Rsrsrs! Fico tocada com as crianças... Mas será que só o chapéu verde provocou a dúvida na criança? Não... Quando contamos uma história, nós nos transformamos. Algumas pessoas se surpreendem comigo. ─ Nossa! Você nem parece ser tímida na hora em que está contando a história, você fica diferente... Isso acontece porque nós nos vestimos de poesia e fantasia quando narramos uma história. Adquirimos um brilho, a voz muda de acordo com as personagens e nosso corpo conta os detalhes da trama. Vivenciamos uma experiência estética, artística. Já vi muitas pessoas se emocionarem com a história, já vi as crianças vibrarem com heróis e princesas, já vi gente saindo renovada após o contato com outros tempos, outras paisagens... Além disso, eu acho que a capacidade imaginativa das crianças também favorece, e muito, esse mergulho na fantasia, sabe? As crianças são inventivas por natureza. Entram na brincadeira, entende? Estão por inteiro na contação, têm convicção na história. Gente, a minha criança interior faz a festa! Como eu me divirto! E o bom é que a contação de histórias dialoga com outras expressões artísticas. Enfim, posso cantar, dançar, desenhar, fazer teatro, declamar poesias... Ah! As histórias aquecem nossos ideais! Nem te conto... Rsrsrs!

Início

17- Técnica para o início da história Querido diário, Como começar uma história? Sempre com o clássico “Era uma vez?...” Estive estudando maneiras alternativas de se começar uma história: “No tempo em que os bichos falavam...” “No tempo em que não havia tempo, no lugar que era lugar nenhum...” “Quando as estrelas ficavam muito perto da Terra...” “Num dia distante, num lugar mais distante ainda...” “Numa época em que todos se vestiam de magia...” Esse início é importante, pois podemos surpreender as crianças e sair do campo do previsível, apostando no novo, no inusitado. E como terminar uma história? Acho relevante finalizar a história de uma maneira inventiva. Já vi contadores terminarem com as frases: “É só isso” ou “Acabou”. Acho que não valoriza a história, entende? Pesquisei formas de se terminar uma contação de histórias: “E vai que daí tinha a vaca Vitória, caiu num buraco, começa outra história...” “Entrou por uma porta saiu pela outra, quem quiser que conte outra...” “Tiririm tiririm a historinha chegou ao fim...” “Colorim colorado este conto está terminado...” “Entrou por uma perna de pato saiu por uma perna de pinto, quem quiser que conte cinco...” “Uma história acabo de contar, só para você se encantar...” “A historinha terminou, mas a magia apenas começou...” “E vai que daí tinha a vaca Teresa, saiu do buraco e a história era a mesma...” O contador pode, evidentemente, criar novas formas de se começar e de se terminar uma história, até mesmo de acordo com a narrativa que vai contar. Essas fórmulas dão colorido à história, são mágicas!

Incentivo

16- O incentivo das crianças Querido diário, Hoje, queria deixar registradas algumas falas das crianças, que anotei: “Você é muito bonita”, “Sua maquiagem está borrada”, “A história foi boa”, “Sua voz é muito bonita”, “Vai com Deus”, “Eu queria que isso fosse real”, “Conta a história de novo”. Fico emocionada somente em me lembrar da imensa afetividade das crianças. Após o ato de se contar uma história, nós nunca mais somos os mesmos para elas. Nós nos tornamos especiais, únicos! Na escola, vivem me abraçando. Nas ruas, gritam meu nome, acenam e me mostram para as suas mães. Até me tornei uma tia mais encantadora depois que passei a contar histórias para meus sobrinhos! Essa troca de afeto permeia a troca de conhecimentos, de experiências, de pontos de vista, de magia que envolve a contação de histórias. Mas, além disso, tenho um plano: acho que podemos reverter essa nossa popularidade em benefício do estímulo à leitura. Outro dia, após uma contação, mostrei o livro com a história para as crianças e comentei sobre a importância do ato de ler. Li um artigo que nos aconselha a sempre levar o livro onde está a história, se for esse o caso, para estimular os alunos a descobrirem a magia da leitura. O resultado da minha atitude foi imediato: dois meninos, após a atividade de colagem, pediram-me para ver de novo o livro. Eles formaram uma dupla e liam com certa dificuldade a história, mas sempre com muita empolgação. Algumas crianças ficaram em volta, numa rodinha de leitura, que tocou meu coração... Ah! Queria lembrar que, de acordo com os PCNs, todo professor é professor de leitura. A situação dos contadores de histórias é idêntica. Por fim, já que tratamos de afeto, relembro as palavras contidas no inventivo livro “O Pequeno Príncipe”: És responsável por quem cativas.

Recriar

15- Recriar a história Querido diário, Hoje, contei novamente a história da dona Árvore, só que para uma turma do jardim. Fiquei impressionada com as novas imagens que eu criei corporalmente. Eu simplesmente me transformei na dona Árvore “em pessoa”! Rsrsrsrs! Simulei o caule, os galhos, as folhas, vivi as suas emoções e sonhos... Percebi que o contato com os alunos, durante a contação, aguça consideravelmente a minha criatividade. Embora eu reconheça sua importância, a experiência do ensaio me parece técnica e solitária. As crianças parecem respirar a história comigo, entende? Além disso, a essência de todo conto é o encontro, não é verdade? Outra questão tem chamado minha atenção. Sempre me apoiei em objetos para contar histórias. Acreditava que sem eles a história perdia um pouco do seu encantamento ou não prenderia a atenção dos ouvintes. Atualmente, estou modificando esse meu ponto de vista. Reconheço que os objetos têm seu valor, tanto quanto minha caracterização como contadora, que envolve figurino e maquiagem. Contudo, acho que preciso acreditar mais no aspecto verbal das histórias. As palavras, por si sós, têm seus encantos, seus mistérios, seu perfume! Quero aprender a manejá-las com mais e mais destreza. Usar as palavras para colorir as histórias. Eu estou ensaiando a releitura de uma fábula, apenas com base na voz e na expressão corporal. Faço isso porque uma vez me chamaram para contar uma história em um evento para crianças e eu estava sem nenhum objeto ou figurino. Nessa ocasião, eu até contei uma história, mas não fiquei satisfeita totalmente com o meu desempenho, pois fiquei insegura sem meu material. Serviu-me de lição. Aliás, todo contador de histórias precisa ter o seu próprio repertório. Estou montando o meu! Sempre pode pintar uma oportunidade para minha atuação!

Dona Árvore

14- História da Dona Árvore Querido diário, Hoje, contei uma história sobre a dona Árvore para uma turma do 3º ano. Gostei muito da experiência, pois houve muita interação por parte das crianças. De fato, todos participaram muito da história. Elas imitaram animais que eu introduzi na narrativa de propósito. Teve cachorro, gato, cavalo, galo, macaco... Parecia uma sinfonia do zoológico. Rsrsrs! As crianças adoraram e se divertiram bastante!... No começo, eu ficava insegura com as chamadas intromissões, que são, na verdade, participações. Isso acontecia porque eu praticamente decorava toda a história (tenho boa memória). Então, quando uma criança participava espontaneamente, eu ficava meio perdida para lhe dar atenção sem perder o fluxo narrativo. Essas experiências me fizeram reconhecer o valor das participações e passei até a programá-las para enriquecer a contação. Conforme esclareci, eu mesma introduzi os animais na história, pois detectei uma brechinha para isso na parte em que se tratava de besouros, abelhas... Faço isso sem nenhum problema, pois me considero, como contadora de histórias, uma coautora dos contos que escolho! Às vezes, a experiência de não contar a história, em suas minúcias, gera uma ansiedade em mim. Sinto-me transgredindo um roteirinho. Parece paradoxal. Introduzo elementos na história com naturalidade, mas omitir palavras, expressões ou detalhes me causa angústia. Hoje, gaguejei numa palavra. Isso me deixa triste, pois parece que fica evidente uma fragilidade minha ou parece que por um momento se quebra o encantamento da história. Será que estou sendo muito exigente comigo mesma?... Em uma oficina de contação de histórias, minha professora esclareceu que só preciso saber os fatos principais da narrativa e o restante pode ficar por minha conta. Essa orientação também está em um livro que estou lendo. Sabe, preciso relaxar e curtir mais a dança das palavras e o ritmo dos gestos que a história evoca. Quero fazer isso com cada vez mais desenvoltura!

Estudar

13- Como estudar as histórias Querido diário, Dizem que não somos nós que escolhemos as histórias, mas as histórias que nos escolhem... Os teóricos são unânimes em afirmar que o contador deve apreciar a narrativa que vai contar, pesquisando os contos que mais o agradem, segundo critérios diversos. Estudar a história é fundamental. Precisamos interpretar bem o conto, avaliando as motivações das ações de personagens, as mudanças de cenário e passagens de tempo, o conjunto de valores implícitos e explícitos que integram a moral da história, as estruturas sintáticas e semânticas que compõem o texto. Li uma obra que trata da paisagem do conto. A autora sugere que imaginemos os sons que a história evoca, bem como os cheiros, as cores, os sabores. Podemos criar adjetivos que caracterizem as personagens da história, ilustrar algumas cenas, compor um gráfico que represente a trajetória de uma personagem, imaginar detalhes que não constam da narrativa. Quando estudamos a história, ficamos mais habilitados a passar a sua verdade aos nossos ouvintes, nós nos envolvemos com ela, tomamos parte nos acontecimentos. Recordo-me de quando estudei a história do casamento da dona Baratinha e me surpreendi ao perceber conteúdos profundos envolvendo as relações humanas, como encontros, desencontros, abandono, rejeição. De início, eu achava a história muito infantilizada, mas após aplicar as estratégias da paisagem do conto eu fiquei apaixonada pela história. Por isso, muitos afirmam que esse rótulo de literatura infantil é conversa pra boi dormir... Já presenciei um caso de um contador de histórias que não compreendeu o final da história que estava contando e passou um desfecho confuso para a criançada. Um menino percebeu e fez um gesto de descrédito para o contador, seguido de um comentário de insatisfação. Elas sentem nossa falta de preparo... Certa vez, tive a ideia de incluir a audiência na história, afirmando que eles eram os pintinhos loiros da narrativa da Galinha Ruiva, mas eu não contava com a reação imediata das crianças, que eram, em sua maioria, pardas e negras. Elas não se identificaram com o papel que eu lhes atribuí. Então, propus que elas fossem os pintinhos coloridos. Aí, elas toparam, felizes! Portanto, devemos estudar o texto e o contexto!

O boom

12- O boom da contação de histórias Querido diário, Estamos presenciando um verdadeiro boom da contação de histórias. Multiplicam-se cursos, oficinas e workshops para contadores. Vários congressos, simpósios e encontros promovem maratonas e cirandas de histórias. Além disso, está ocorrendo, igualmente, uma profusão de sites e de blogs, com o objetivo de divulgar o trabalho de contadores de histórias, bem como eventos e comercialização de produtos. No ano passado, participei de uma oficina e logo no primeiro dia um participante afirmou que procurara o curso com vistas a uma espécie de profissionalização, já que a contação lhe parecia uma atividade muito frutífera financeiramente. Dizem que a contação de histórias já é negócio de gente grande... A atividade realmente tem crescido e arregimentado um público cada vez maior, composto por todas as faixas etárias. Acho que esse boom se deve muito à atual tendência de valorização da leitura e do olho no olho, que aproxima as pessoas. De fato, hoje se reconhece que a função das bibliotecas não consiste apenas no empréstimo de livros, mas sobretudo na promoção da leitura. Estudiosos afirmam que se trata de uma reação ao ritmo frenético do mundo atual, em que o contato entre as pessoas simplesmente escasseia cada vez mais. Deste modo, o ressurgimento da contação de histórias está ligado ao contexto do culto à tecnologia, ao imediatismo, ao superficialismo, bem como à tendência às relações humanas descartáveis. Isso porque a narração de histórias é um maravilhoso convite ao ouvir, ao escutar o outro e à consequente socialização das pessoas. Além disso, esclarecem os teóricos que há muita reprodução de conhecimentos e excesso de informação, mas pouca qualidade nas relações interpessoais. A contação de histórias não deve, portanto, ser rotulada como um modismo, mas como um reflorescimento literário e cultural. A profissionalização do contador de histórias parece ser um caminho, mas a narração não pode ser posta a serviço de parafernálias técnicas, a fim de que não perca a sua naturalidade e tocante simplicidade. Acadêmicos afirmam que não se deve estimular uma indústria de espetáculos, quais se fossem mais um produto de consumo de uma cultura massificada, onde as coisas vêm prontas, mastigadas, plastificadas. A contação de histórias precisa se tornar uma prática cotidiana e democrática, a fim de estar ao alcance de todos, como uma espécie de investimento afetivo!

Amor ao idioma

11- Amor ao idioma Querido diário, “Esta é uma declaração de amor. Amo a língua portuguesa.” Com essa frase, de Clarice Lispector pretendo refletir a respeito da necessidade do domínio da nossa língua por parte do contador de histórias... Dispondo do conhecimento aprofundado de nosso idioma, podemos concatenar bem as ideias, com conhecimento satisfatório dos processos de coesão e coerência que envolvem os textos, podemos criar neologismos, utilizar mais e mais figuras de linguagem, explorar sinônimos e antônimos, brincar com as rimas, criar paráfrases e paródias, compor construções gramaticais mais elaboradas, estabelecer ambigüidades... O contador saberá usar a linguagem adequada ao público, evitando ser prolixo, pedante ou fazer uso de gírias excessivas ou palavras de baixo calão. Além disso, ele saberá interpretar bem a história que narrará e isso é fundamental para o êxito da narração. De fato, somos artistas das palavras! E, como contadores de histórias, devemos estabelecer estratégias de promoção da língua portuguesa! Já presenciei um espetáculo a partir do qual o narrador incentivava as crianças a listarem adjetivos, como: “Maia era bonita. Não... era mais... era... era...” E as crianças completavam: linda, maravilhosa, muito bela, fantástica, incrível! Já vi um contador brincar com ambigüidades, como a “gatinha da vizinha”. Já assisti a um espetáculo em que o contador brincava com os regionalismos, fazendo um trenzinho passar pelo sul (tchê), pelo nordeste (oxente) e até por Portugal (ora, pois!). Eu já trabalhei de uma maneira bem interessante. Numa história, eu dizia que o sonho de um cachorro era conhecer o circo porque lá “tinha o palhaço... tinha o....” E as crianças completavam: mágico, elefante, leão, malabarista! Além disso, dizia que o sonho de um gatinho era conhecer um parque de diversões, porque “tinha a roda gigante, tinha o...” E as crianças completavam: o carrossel, a montanha russa, o carrinho de batida, o trem fantasma” Finalmente, eu dizia que tinha um passarinho que tinha o sonho de conhecer o zoológico, porque “tinha o gorila, tinha o...” E as crianças completavam: o pavão, a cobra, a girafa, a pantera, a onça! Deste modo, surgem palavras de um mesmo campo semântico e eles interagem linguisticamente. Despertar o amor pelo idioma perpassa por uma atitude de admiração pelas belezas de nossa língua, perpasse pelo combate ao preconceito lingüístico, perpassa por uma atitude que eleve, e não rebaixe, a autoestima linguística das crianças! E é saber o que quer, o que pode essa língua!...

Saber ouvir

10- Saber ouvir Querido diário, A contação de histórias nos permite uma reflexão acerca do saber ouvir... Noto que há uma dificuldade de as pessoas exercitarem o papel de ouvintes, pois há uma necessidade muito grande de falar, falar e falar... Estamos ouvindo nosso interlocutor ou apenas aguardando a nossa vez de falar? Ouvimos até o final ou interrompemos a pessoa? Ou, ainda, nem ouvimos tudo e logo concluímos algo? Ouvimos apenas o que queremos ouvir? Há um pensamento popular que enfatiza o fato de termos dois ouvidos e uma só boca, portanto deveríamos ouvir duas vezes mais do que falamos... Como contadores de histórias, precisamos ser bons ouvintes, até para dar o exemplo. Quando o outro estiver falando, precisamos esvaziar a cabeça das preocupações e não nos ligarmos excessivamente naquilo que vamos falar, devemos apenas ouvir. Podemos parafrasear as informações. Podemos perguntar algo, sintetizar uma ideia. Deste modo, estaremos mantendo um vínculo com nosso interlocutor, ajudando-o no desenvolvimento do seu raciocínio. Com as crianças, costumo combinar o silêncio durante a contação de histórias, comentando sobre o valor da escuta. Certa vez, uma turminha do jardim até cantou uma musiquinha que dizia, mais ou menos assim: “zip, zap minha boca vou fechar”. Li que saber ouvir é uma característica das pessoas criativas. E ouvir requer humildade. Fazer-se ouvir é uma necessidade para que a contação de histórias transcorra de uma maneira produtiva. Por isso, precisamos trabalhar a nossa presença, a nossa postura. Levar as crianças a considerarem importante o momento da história, incutindo valores como educação e respeito. Já vi contadores falando mais alto, mais rápido. Logo se instaura um clima de competição sonora e todos saem perdendo. As crianças precisam saber que, ouvindo, poderão descobrir coisas incríveis sobre tudo, mas principalmente sobre si mesmas!

Mais oficinas

9- Mais exercícios de oficinas Querido diário, Estive me recordando de várias atividades que fiz em cursos e oficinas das quais participei, ao longo do tempo... Houve um exercício que envolvia a ressignificação de objetos, para treinar nossa criatividade no uso de materiais para contar histórias. Deste modo, uma luva virava coador de café, crista de galo; uma colher virava brinco, caneta, instrumento de percussão; um coador de café descartável virava máscara de médico e chapéu. Houve uma atividade em que contamos uma história usando o gromelô, uma língua que se inventa na hora, muito usada por atores, crianças e maluquinhos! Rsrsrs! Tínhamos que imprimir emoções às palavras. Eu contei inventivamente: “Esclopefística viflasterinha dus richaglásticas e debulinácias ad xizaw e kayprós...” Outra vez, contamos uma história somente com Boca Chiusa, para desenvolvermos as demais habilidades do contador, além das palavras, como expressão facial e corporal, movimentos e deslocamentos. Houve um treinamento em que a gente falava uma palavra com uma entonação que ressaltava o próprio significado do vocábulo: livro, criança, amor, jiló, alegria... Houve um exercício em que nós enfatizávamos diferentes palavras de valor para mudar o significado da frase e, com isso, treinar nossa entonação para contar histórias: João meu neto ainda não chegou. Possibilidades: João meu empregado ainda não chegou. João meu empregado ainda não chegou. João meu empregado ainda não chegou. João meu empregado ainda não chegou. Houve uma atividade em que treinamos apenas o olhar, devido à sua relevância para comunicar emoções durante a contação de histórias. Tínhamos que comunicar sentimentos somente com os olhos e os colegas tinham que adivinhar. Apareceram olhares que revelavam espanto, tristeza, alegria, fé, dúvida, seriedade... Houve uma tarefa a partir da qual tivemos que fazer um gesto corporal, tão usado em contações de histórias, que identificasse um objeto ou um animal, como telefone, lápis, computador, máquina fotográfica, peteca, corda, pipa, galo, boi, canguru, coelho, macaco... Houve um exercício em que tiramos um de nossos sapatos e o depositamos no meio de uma roda. Depois, cada um escolhia um dos calçados e criava uma história partindo das características do próprio objeto. Eu peguei uma bota e criei a história “A gatinha de botas”. Guardo todas essas atividades no coração, aprendi muito, muito!

Oficinas

8- Exercícios de oficinas Querido diário, Resolvi dividir com você alguns trechos de meus exercícios do curso de contação de histórias que estou fazendo: “Durante a contação de histórias, instaura-se uma atmosfera mágica e, tanto o contador quanto a audiência, sentem-na com intensidade. Magia, fantasia, criatividade, emoção! ‘Era uma vez’ é uma maneira poética de expressar o lúdico que a contação de histórias evoca, pois brincamos com o universo: a lua vira uma bola numa contação de histórias, as estrelas viram pipas brilhantes e brincamos de pique-pega com os cometas. Contar histórias é reinventar a natureza das coisas, sabendo que o essencial é invisível aos olhos!...” “Quando conto histórias, amanheço e anoiteço com as ousadias de meu coração-livro! Para mim, ao contarmos histórias renascemos de nós! Sou uma caçadora de mim e me encontro e reencontro nas personagens que envolvem a contação de histórias. Eu me reconheço no brilho do olhar das crianças, cujos sorrisos são meus, cujas vozes são minhas! Contar histórias é cultivar gente, é deixar brincar nossa criança interior, é estar completamente entregue. Sim, eu me rendo e não há medo, timidez, melindre, vaidade... Só há estrelas-histórias, estrelas-livros, estrelas-crianças, estrelas-cultura, estrelas-afeto, estrelas-carinho... Cada um descobre o seu próprio brilho!... “ “Por isso, minha história de infância preferida é ‘Tristana’, do escritor Fausto Wolff, a história de uma gota d'água que não sabia ao certo o seu valor e se sentia muito pequenina diante das belezas do universo. Ela se autodescobre como parte integrante e importante da Criação. Essa é, sem dúvida, a história de muitos de nós. Como contadores de histórias, somos gotas d'água apenas, mas sem as gotas d'água não haveria os oceanos, sobretudo o oceano da Literatura e da Leitura!” “Acredito que os “poderes mágicos” dos contadores de histórias residem na sedução pela palavra, como aquela que exerce Sherazade sobre o sultão. Encantar alguém com histórias que versam sobre o ser humano e suas aventuras, suas buscas, suas indagações, seus valores, sua vida... é adiar uma sentença de morte (a do vazio existencial) e celebrar a vida! A magia da palavra consiste em tecer fios invisíveis de tramas que se sucedem, como um tecido que, ao final, usamos para nos proteger da frieza de sentimentos, da nudez de valores. Quem conta uma história detém até o poder da cura! A cura da alma, pois ela volta a sonhar acordada, volta a acender um céu de estrelas em seu interior. Por isso, a palavra é realmente sagrada e é apresentada como tal no altar da contação de histórias, afinal toda boa história é uma prece de gratidão.” “Como contadora de histórias, identifico-me com contadores tradicionais, como o trovador, quando estou cantando, fazendo sons, durante a contação. Quando as crianças riem com alguma cena da história que vou colorindo, sinto-me o bobo da corte. Quando estudo contação de histórias com todo meu empenho, eu me sinto como um bardo! Quando conto histórias não-autorais, sinto-me um griot... Quando conto histórias, sou várias e sempre conservo minha própria identidade, resultante do meu sonho de ser como uma biblioteca viva!...”

Trava-línguas

7- Trava-línguas Querido diário, Estou treinando a minha articulação, fazendo exercícios com trava-línguas: O rato roeu a roupa do rei de Roma, o rato roeu a roupa do rei da Rússia, rainha raivosa rasgou o resto. O que é que Cacá quer? Cacá quer caqui. Qual caqui que Cacá quer? Cacá quer qualquer caqui. Bote a bota no bote e tire o pote do bote. Quem a paca cara compra, paca cara pagará. Atrás da porta torta tem uma porca morta. Caixa de graxa grossa de graça. Tapibaquígrafo Luzia lustra os lustres listrados. Sabia que o sabiá sabia assobiar? A rua do paralelepípedo é toda paralelepipedada. Norma nina o nenê da Neuza. Além de treinar a articulação das palavras, os trava-línguas podem ser usados com as crianças. Já contei uma história minha que continha brincadeiras com a linguagem e as crianças repetiam rapidamente “Três pratos de trigo para três tigres tristes”. Algumas erravam e ficava muito engraçado, todos se divertiram. É bastante lúdico usar trava-línguas, pretendo explorar ainda mais esse recurso. Os trava-línguas despertam o gosto pelas brincadeiras com as palavras e os sons da língua, além de melhorar a dicção das crianças. Eles proporcionam o conhecimento da cultura popular, do folclore. Com as crianças, já utilizei também a linguagem do Pê, como pevo, pecê, peé, pelin, pedo! (você é lindo). Aí, uma mãe me ensinou a linguagem do guri, guri: Gurivo guricê, gurié, gurilin, gurido! (você é lindo). É assim que faço treinos articulatórios juntamente com os alunos, com muita brincadeira e diversão!

Voz

6- Cuidados com a voz Querido diário, Fiz uma pesquisa sobre cuidados com a voz. Afinal, todo contador de histórias deve primar por sua saúde vocal.  Ingerir muita água (média de 10 copos por dia) em temperatura ambiente, nunca gelada.  Ingerir água durante atividade vocal prolongada.  Evitar falar em ambiente ruidoso, com competição sonora.  Não pigarrear ou tossir, pois irrita as cordas vocais, provocando atrito entre elas.  Não fumar.  Não fazer uso de bebidas alcoólicas.  Evitar ingerir alimentos pesados e muito condimentados, chocolate, doces...  Não beber leite antes de usar prolongadamente a voz.  Não falar excessivamente durante quadro gripais ou crises alérgicas, se possível não fazer uso da voz, nem mesmo aos sussurros.  Incluir maçã e salsão no cardápio regular, pois são adstringentes e “limpam” boca e garganta.  Evitar ambientes contaminados por poeiras, ácaros e fungos.  Evitar ar condicionado.  Não usar pastilhas, balas e sprays ou gengibre, que anestesiam, criando uma falsa sensação de melhora e induzindo ao uso abusivo da voz.  Fazer boa higiene vocal, com visitas ao dentista.  Usar roupas leves para que não atrapalhem o fluxo respiratório.  Durante a fonação, manter a cabeça e a coluna eretas, para permitir a passagem do ar sem dificuldades.  Procurar ter uma alimentação balanceada.  Não gritar. Como contadores de histórias, usamos a nossa voz para encantar as crianças, sendo esta a nossa marca singular, única. É através de nossa voz que damos vida à narrativa, aos personagens e expressamos as emoções que a história evoca. Somos profissionais da voz, nada mais justo que cuidemos de nossa saúde vocal, incorporando as atitudes benéficas listadas à nossa rotina. Não podemos esquecer que o uso inadequado da voz pode provocar danos como nódulos ou ‘calos’ nas cordas vocais... Cuidemos de nossa voz, sempre!

Respiração e voz

5- Respiração e voz Querido diário, Estou fazendo um curso de contação de histórias sobre o preparo do contador, que envolve relaxamento, respiração e voz. Hoje, fizemos um relaxamento. A professora colocou uma música clássica e, inicialmente, levantamos os braços por um tempo. Fizemos isso algumas vezes. Curvamos a cabeça para a esquerda cinco vezes e para a direita cinco vezes, bem como para frente cinco vezes e após isso a giramos por cinco vezes. Balançamos perna esquerda e a perna direita. Aí, a professora explicou que primeiro fazemos o relaxamento como preparo para o trabalho com a respiração, que sustenta a voz. Estamos aprendendo sobre a importância de uma respiração adequada, que garante qualidade de vida, que é a respiração diafragmática ou abdominal. Fizemos um exercício que consiste em colocarmos as mãos na barriga e observarmos o movimento de expansão e contração ocasionado pela nossa respiração. Nós inspiramos por uma narina e expiramos pela outra, como forma de exercitar a nossa respiração, que deve ser nasal. Portanto, respirar pela boca não é bom. Em seguida, nós inspiramos o ar, seguramos um pouquinho e soltamos o ar de nossos pulmões. A professora salientou que há pessoas que, quando nervosas, falam na inspiração, invertendo o processo e isso é prejudicial e muito mais difícil. Então, começamos a fazer exercícios faciais. Tamborilamos as pontas dos dedos no rosto. Fizemos o exercício de dar beijos estalados, vibramos os lábios, esticamos e contraímos os lábios como se pronunciássemos o i e o u, demos língua, estalamos a língua, vibramos a língua, imitamos peixinhos com a contração das bochechas, fizemos caretas... A professora nos aconselhou a fazer bochechos e gargarejos após escovarmos os dentes, como exercício que se podem encaixar na nossa rotina. Todos esses exercícios ajudam na articulação das palavras e o contador precisa ser claro para ser compreendido. Por fim, fizemos exercícios vocais: Ssssss, Ffffff, Brrrrr, Trrrrr, Mamemimomu, Vavevivovu, Lálálálálá, aéêióôu, patabá, petebé, pitibi, potobó, putubu... Aprendi muito sobre a importância do preparo do contador de histórias, que deve ser incorporado à sua rotina, como requisito de um profissional da voz!

Leitura ou contação?

4- Leitura ou contação de histórias? Querido diário, Certa vez, uma amiga informou-me de que haveria uma apresentação de contação de histórias na lona cultural de meu bairro. Compareci, cheia de expectativas, mas me deparei com uma atriz lendo um livro para um grupo de crianças. Não era contação de histórias; era leitura de histórias. E há diferenças? Certamente. Na leitura de histórias devemos preservar as palavras escolhidas pelo autor, sendo totalmente fiéis ao que está escrito, mesmo porque algumas crianças acompanham as palavras no livro. Na contação de histórias, a trama sempre sofre pequenas modificações, já que nunca contamos uma história da mesma forma. Além disso, é possível usar objetos como dedoches, fantoches e outros para se contar a história, pois não há o compromisso de se segurar o livro nas mãos durante a apresentação. Na leitura, as crianças veem as imagens do livro, na contação elas imaginam as cenas da história. Na leitura, as crianças normalmente ficam sentadas bem próximas ao contador, para visualizarem o livro. Na contação, não há necessidade de tanta proximidade, em princípio. Alguns contadores usam até microfones parra plateias maiores. Na leitura, só há a movimentação das folhas do livro. Na contação, podemos usar a expressão corporal para desenhar as imagens no ar. A leitura de histórias envolve a existência de livro, a priori. Na contação, podemos usar um repertório da cultura e literatura oral. É importante frisar que não se trata de eleger uma atividade como sendo melhor do que a outra. Ambas têm vantagens e desvantagens. Só não aconselho misturar as técnicas, claro. Ler e contar são excelentes estratégias para se estimular a leitura dos livros e, sobretudo, a leitura de mundo. Finalmente, ler e contar é só começar...

Benefícios

3- Benefícios da contação de histórias Querido diário, Estive enumerando os benefícios da contação de histórias e fiquei impressionada com a sua abrangência. De fato, essa atividade, além de contribuir eficazmente para a formação de leitores, nos proporciona (a) o contato com a diversidade cultural e étnica, (b) a valorização da literatura e tradição oral, (c) a manutenção da memória e identidade de uma sociedade, (d) o enriquecimento das experiências infantis por meio de uma pedagogia do imaginário, (e) o encantamento e a sensibilização dos ouvintes, (f) o alimento da alma, (g) o resgate de significados para a nossa existência, (h) a troca de afetividade, (i) a ampliação da capacidade de escuta e reflexão, (j) o desenvolvimento da criatividade. Há também ganhos mais específicos, como a ampliação do vocabulário, o contato instrutivo com o esquema narrativo das histórias, a valorização da língua portuguesa em sua modalidade escrita e oral. Estudiosos afirmam que a contação de histórias não deve ter cara de aula e que ela é o ponto de partida para o desenhar, o musicar, o teatralizar, o brincar, o inventar, pois tudo pode nascer de um texto. Na escola, fazemos dobraduras, fantoches, mosaicos, colagens, desenhos... Mas sempre relacionados à história. Um dia, ensinei a turma a fazer uma dobradura de barquinho e eles me ensinaram a fazer uma de pássaro, uma de uma casinha e uma caixinha de papel. O bom contador ensina e aprende simultaneamente. Na verdade, o melhor contador de histórias é aquele cujas histórias são lembradas por muitos e muitos anos depois que o seu próprio nome tenha sido esquecido. Com os contos, as crianças criam o seu próprio repertório moral e se enriquecem com a ginástica imaginativa. A contação de histórias é, por vezes, o Livro Vivo!... Brincar e se envolver com a contação de histórias representa um treino para a criança aprender a lidar com a realidade. As histórias não são uma fuga, são um ensaio. Atualmente, os contadores de histórias são valorizados e requisitados, por conta do calor humano e da afetividade que evocam e que a tecnologia não nos proporciona. Os contos apresentam um caráter terapêutico, pois encantam e curam. Simplesmente, salvam sonhos!...

Características

2- Características dos contadores de histórias Querido diário, Quais seriam as características dos bons contadores de histórias? Acho que ser um leitor desperto é fundamental, pois a leitura é uma bandeira que hasteamos por meio da prática de narração das histórias. O carisma e a autenticidade são importantes, porque cativamos as pessoas com nossos próprios talentos e nosso jeito único de interagirmos com elas. A criatividade é uma verdadeira necessidade, uma vez que insinuamos sonhos na alma das pessoas, insinuamos devaneios inventivos e apaixonantes. A humildade e a simplicidade são requisitos básicos, tendo em vista o fato de que a estrela será sempre a história, e não o contador. A ousadia se faz necessária para inovar sempre, para correr o gostoso risco de encantar cada vez mais a plateia, com performances ricas e variadas. Além disso, o narrador precisa dominar com segurança as histórias que compõem seu repertório, de tal modo que todos mergulharão naturalmente no universo mágico apresentado por ele. Outras características são muito bem-vindas, como boa dicção, expressão corporal e facial significativas, sensibilidade e emoção. Acima de tudo, o contador de histórias deve gostar de gente. Afinal, a contação tem suas raízes no encontro entre as pessoas, como um banquete literário em que as narrativas são o prato principal. Até anotei algumas palavras que considero o ABC do contador de histórias:  Literatura  Cultura  Imaginação  Pesquisa  Empatia  Superação  Determinação  Capacitação  Estudos  Cidadania Como contadores de histórias, somos semeadores de estrelinhas, somos pastores de livros, somos diretores de cinemas mentais, somos pedagogos de personagens, somos escritores de linhas imaginárias... somos simplesmente encantadores!

Apresentação

1- Apresentação Querido diário, Sou uma contadora de histórias. Inspiro-me em Sherazade. Ela salvou sua própria vida com o ato de contar histórias para o sultão, que superou o trauma da traição da esposa com o poder curador dos contos. Por isso, acredito que todos – crianças, jovens, adultos e idosos – podem curtir o encantamento que envolve as histórias, pois após mergulharmos no universo mágico das tramas, voltamos para a superfície revigorados. Gosto muito de contar histórias para as crianças! Elas vibram durante a contação, seus olhos ficam iluminados, o sorriso espontâneo e até o estranhamento de algumas me deixa comovida. Eu conto histórias porque eu acredito na Poesia da Vida. Creio que precisa haver um espaço para a imaginação, para o lúdico. Por isso, além das histórias, nós sempre desenvolvemos uma atividade juntos, envolvendo pintura, colagem, massinha, dobraduras... Tudo para que as crianças exercitem a sua criatividade e reflitam sobre as histórias. Eu conto histórias usando todo o meu potencial criativo e intuição. Não sei se existem cursos profissionalizantes de contadores de histórias. Mas certamente há pessoas que reconhecem o valor da leitura e se dispõem a fazer um trabalho de divulgação literária em escolas, hospitais, templos religiosos, asilos... Sabe, tenho um sonho inusitado: eu queria ser como uma biblioteca viva!... Gostaria de trazer histórias e mais histórias dentro de mim, para enriquecer o meu interior de magia e emoção. Isso é tão forte em minha vida que, quando passo por momentos de tristeza ou enfrento fracassos, vêm à minha mente cenas de meu trabalho como contadora de histórias. Então, me sinto forte, não obstante minha momentânea fragilidade. Nossa, querido diário, nem percebi! Estou contando minha própria história... Será uma oportunidade para eu me conhecer mais, para poder atuar na sociedade com mais segurança e ser uma educadora incansável, com uma singela vocação para a Pedagogia do Amor!...